O filme vencedor do Oscar “Argentina, 1985” oferece lições sobre democracia: o procurador-geral

Moreno-Ocampo, que se tornou o primeiro promotor do TPI, diz que “Argentina, 1985” pode ajudar a ensinar o público global sobre os perigos de perder a democracia – e a importância da opinião pública.

“Você tem que ganhar seu caso no tribunal. Mas esta é uma batalha pela memória”, disse Ocampo, 70, em entrevista à AFP em Malibu, Califórnia, onde vive agora.

“Ganhei a batalha… em 1985. Mas (com este filme), Santiago Mitre e Ricardo Darín vencem a batalha da memória em 2023, e é única.”

Mitre é o diretor de Argentina, 1985, um dos cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional.

Ele conta a história de um dos julgamentos mais significativos da história do país, destacando as tensões enquanto o país latino-americano tateava seu caminho de volta à democracia após sete anos de governo militar assassino de 1976 a 1983.

Moreno Ocampo (Peter Lanzani), que vem de uma tradicional família militar, é contratado pelo procurador-chefe Julio Stracera (Darien) para ajudar a processar nove homens uniformizados que ordenaram milhares de assassinatos e desaparecimentos.

O julgamento levou à condenação de seis homens, incluindo o ex-ditador Jorge Videla e o principal membro da junta militar Emilio Massera, que foram condenados à prisão perpétua.

E os procedimentos, comparados aos Julgamentos de Nuremberg após a Segunda Guerra Mundial, dividiram fortemente os argentinos – e até mesmo a família de Moreno-Ocampo.

“O filme mostra como minha mãe era contra mim”, disse Moreno-Ocampo, que agora é professor visitante na University of Southern California e um ilustre membro de Harvard.

“Minha mãe ia à igreja com o ditador General Videla!”

Mas, como revela uma das cenas mais assustadoras do filme, o primeiro testemunho angustiante do julgamento – o de uma mulher forçada a dar à luz no banco de trás de uma viatura por seus captores – a faz mudar de ideia.

“No dia seguinte ela me ligou… Ela me disse: ‘Ainda amo o General Videla, mas você tem razão, ele tem que ir para a cadeia.'”

tortura

O filme “Argentina, 1985” mostra como o regime militar montou campos de concentração, tortura e extermínio, onde pessoas vivas são jogadas ao mar de aviões, fuziladas ou mantidas indefinidamente.

Cerca de 30.000 argentinos desapareceram, e estima-se que centenas de crianças nascidas em cativeiro foram entregues a outras famílias, inclusive militares.

Moreno-Ocampo diz que responsabilizar os responsáveis ​​é vital para que o país se reconcilie com seu passado e se torne uma democracia estável e segura – algo que ele diz que o Brasil, por exemplo, não fez.

“Eles não investigavam no passado… Isso surtiu efeito. No Brasil, eles temiam que os militares estivessem envolvidos em um golpe no futuro próximo”, explicou.

“O problema não são os militares”, diz ele, “porque eles seguem ordens. São as elites – se suas elites apoiam o golpe, você tem um problema.”

“É algo que o Brasil, e até os Estados Unidos, não entenderam”, acrescenta, referindo-se ao ataque de 2021 ao Capitólio dos EUA nos últimos dias da presidência de Donald Trump.

“Quando os jornalistas me perguntam como evitar golpes… a questão não são os envolvidos na sedição, a questão é quem os apoiava”, disse à AFP.

“A elite que apóia conflitos civis, como é o caso em Washington, é o problema.”

Força Jovem

A Argentina já ganhou dois Oscars, ambos para filmes que tratam dos anos de terror militar: “A História Oficial” em 1986 e “O Segredo dos Seus Olhos” em 2010.

Moreno-Ocampo – que comparecerá ao Oscar no domingo – diz que espera que o show deste ano, com foco no papel que os jovens desempenharam na justiça, leve a história de quatro décadas da ascensão da Argentina da ditadura para um novo público.

“Meu filho de 23 anos não sabia o que aconteceu. Agora ele está aprendendo”, disse ele.

“Este filme é sobre o perigo (de perder) a democracia. Mas também é sobre o poder da juventude – como são os jovens que mudam o mundo e como você deve continuar a lutar por justiça.

“A justiça é um negócio sem fim.”

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