Casa São José de Barreiro / FAW
+39
- região :
100 metros quadrados -
ano :
2022
-
Principais Arquitetos:
Anna Johnny, Ink T Winkle e Gustavo Delonero
Descrição do texto fornecida pelos arquitetos. Os desafios do projeto da casa de São José do Barreiro não estavam relacionados ao desenvolvimento de uma estrutura arrojada ou mesmo a detalhes técnicos sofisticados. Tampouco o maior esforço deve ser atribuído à manipulação do vento, ao direcionamento da luz natural e ao enquadramento da paisagem – embora sejam estratégias fundamentais para o conceito de sua espacialidade.
Nesse caso, o que exigiu uma dedicação significativa foi entender como o projeto lidava com seu contexto. Ou melhor, como deve se apresentar uma casa, localizada no meio de uma pequena cidade [1] No vale histórico de São Paulo, na região da Serra da Boquena. Já estava claro que a relação não deveria ser estabelecida imitando o passado cristalizado nas casas e ruas de paralelepípedos que pontuam a Praça da Igreja Matriz. No entanto, também ficou claro que a casa tinha que, de alguma forma, estabelecer um vínculo com a atmosfera nostálgica que paira sobre a cidade desde o fim do ciclo do café. [2].
Para compreender o reflexo da história incluída no projeto, foi importante um exame atento para além da habitual visita ao local de intervenção. Do cotidiano que é absorvido pela observação dos acontecimentos em campo e pelas idas ao cinema de São José [3] A fazenda de Pau D’alho [4]e da conversa com os vizinhos, cujas famílias viviam na cidade há gerações, nasceu o desejo de um diálogo silencioso e próprio entre a casa e a cidade.
A segunda diretiva surgiu de uma realidade mais realista: o lar deveria ser possível. A construção foi atrelada a um orçamento simples (R$ 1.000,00/m²) e trabalhadores inexperientes em leitura codificada de desenhos arquitetônicos. Mas, sobretudo, deve abarcar uma arquitetura capaz de integrar os muitos saberes construtivos tradicionais guardados pelos construtores locais.
Há ainda uma terceira origem a ser considerada, não relacionada aos edifícios e suas tecnologias. Entre as casas contíguas, sem recuos laterais e frontais, o terreno era o único terreno não construído na área central, oferecendo apenas o espaço verde visível da calçada. As plantas ornamentais e as frutas eram cultivadas pela mãe do cliente, que era uma jardineira experiente quando o terreno era usado como quintal da família.
Curiosamente, depois de tantos anos, um pouco de manejo do solo rendeu espontaneamente plantas da época do cliente, incluindo inhame, caládio, samambaia e antúrio. As manifestações da dinastia encontradas nos fragmentos de tempo para esta terra – uma herança botânica e sentimental – determinaram que esta casa fosse uma casa projetada para o jardim. Invertendo a lógica usual, onde o pensamento estruturalista antecede a paisagem (um jardim projetado para uma casa), deu ao projeto a oportunidade de celebrar as plantas.
A viagem da alegria começa no portão colocado ao longo do muro pré-existente que define o limite da rua em comunicação com os vizinhos. Um caminho sinuoso leva o visitante pelas plantas, revelando aos poucos as vistas parciais da casa. No final ergue-se uma escadaria de pedra que convida a mergulhar por baixo do corredor que surge no vazio. Aqui, no piso térreo, os dois blocos construídos formam a majestosa forma de uma mangueira.
Além da celebração simbólica representada pela mangueira, o espaço não construído também representa a obra mais importante do projeto. Não fosse sua presença, que divide o programa em bloco social e bloco privativo, talvez a simplicidade da planta se assemelhe a uma tradicional casa de campo, típica da cultura campestre.
O espaço vazio também representa o desejo de conciliar os tempos espaciais e suas expressões peculiares nos modos de viver. Por um lado, se os corredores que definem o espaço sugerem um cruzamento não convencional e exposto dos elementos, por outro, o alto banco de concreto oferece uma reinterpretação da atividade meditativa característica de São José do Barreiro. No entanto, o verdadeiro ápice do projeto não está em seus elementos construídos, mas na atmosfera que se revela a quem está sentado: o badalar do sino da igreja, a solidez dos casarões vizinhos, os telhados de adobe, a marcenaria rústica, a cores brilhantes do jardim em primeiro plano e as colinas sem fim dela ao fundo.
Notas:
- População estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021: 4.141.
- Na segunda metade do século XIX, São José do Barreiro emergiu como um dos maiores produtores mundiais de café. Juntamente com as demais cidades do Vale do Paraíba, era uma das regiões mais ricas e desenvolvidas do Brasil. Com a Grande Crise de 1929 e o declínio da produção cafeeira, a região deixou para trás os grandes interesses econômicos e o modelo de desenvolvimento do país. Montero Lobato escreveu no livro de 1919 “As Cidades Mortas”, cujo título tem sido contestado por alguns moradores que buscam reconquistar o reconhecimento pela vida que ainda está acontecendo.
- O Teatro São José foi inaugurado em 1868 como símbolo do poder político e econômico dos barões do café. Em 1926, foi convertido em cinema e fechou suas portas em 1958. Recentemente, passou por anos de reforma e reabriu como espaço cultural para encontros, ensaios e apresentações.
- Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) na década de 1960, a Fazenda Pau D’alho foi uma das primeiras a se dedicar integralmente à cafeicultura. A sua casa principal foi projectada pelo famoso arquitecto Ramos de Azevedo por volta de 1817. O complexo do alpendre, construído em terra rochosa e fundações em pedra, inclui ainda uma capela e dois edifícios utilizados como abrigo de ocupantes e residência de escravos. No que diz respeito aos recursos terrestres, apresenta uma exceção técnica, o uso de uma roda d’água para forçar o terreno para construção. Além de ser uma das mais importantes representações espaciais do ciclo do café, o Pau D’alho é um importante registro histórico do modelo escravocrata que difere muito da calmaria observada hoje.