Os assuntos inacabados da “nova classe média” brasileira

tempo de leitura: 3 minutos

Este artigo foi adaptado de Aqde Reportagem especial sobre Millennials na política

Possuir uma piscina pode parecer uma delícia, mas poucas famílias de classe média puderam desfrutar desse luxo. As razões são bastante claras: exigem elevados custos iniciais e de manutenção, sem falar num grande espaço. Em climas temperados, não são úteis durante todo o ano.

Mas às vezes o bom senso não é o que interessa às pessoas. No primeiro longa-metragem da diretora brasileira Thais Fujinaga A alegria das coisasa busca incansável por uma piscina simboliza o desejo de uma família de alcançar o status de classe média – e uma visão de felicidade que parece mais duvidosa do que nunca.

Paula, de 40 anos, passa o verão com a mãe e dois filhos em Caraguatatuba, cidade litorânea a leste de São Paulo. Entre as cenas de férias ociosas e idílicas, vemos uma grande vala cavada no jardim da frente. Perto está um tanque azul gigante caído de lado, imóvel. Depois de realizar o desejo dos filhos de ter uma piscina, Paula ficou sem dinheiro antes que ela pudesse ser instalada.

A preocupação com a piscina incompleta passou a dominar a vida de Paula. Ela passa a maior parte do tempo ao telefone – com o homem que lhe vendeu o tanque e que a ameaça por causa do dinheiro que ela ainda lhe deve; E com seu ex-marido, que não cumpre sua parte no acordo. Sua obsessão se torna tão intensa que ela não consegue reconhecer as mudanças de atitude de sua família. Sua mãe, Antônia, tenta ser a voz da razão: “Daqui a pouco essa casa vai começar a desmoronar e você está preocupada com a piscina. A piscina é só uma grande dor de cabeça”. Mas Paula não desiste da ideia: “Até ontem todo mundo queria uma piscina. A piscina era ótima”.


coisas divertidas (Eu te desejo felicidade)


Dirigido por Thais Fujinaga

Roteiro: Thais Fujinaga

É distribuído pela Filmes de Plástico e Lira Cinematográfica Brasil

Estrelando Patrícia Sarafy, Magali Piff, Messias Joyce e Lavínia Castellari

Aq Avaliação: 5/5


Vemos a teimosia de Paula manifestada também de outras maneiras. Ela costuma repreender Antônia por conversar com um pescador que lançava redes em um pequeno trecho de seu quintal à beira do rio. “Isso é privado”, ela o repreendeu. “Eu comprei isso.” Tecnicamente, o caçador furtivo está invadindo a propriedade, mas quase não incomoda ninguém. A sua subsistência depende do acesso à margem do rio onde pesca há anos, terra que hoje é propriedade parcial de Paula. Seus filhos são até amigos do filho adolescente dela, Gustavo. Nada disto importa: a visão pagã de propriedade de Paula distorce o seu governo, isolando-a das pessoas que mais importam.

Há um contexto mais amplo para o que O Nadador e o Pescador diz sobre o foco de Paula no status. No início dos anos 2000, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu políticas sociais que reduziram significativamente a pobreza no Brasil. Sua gestão, Como disse o sociólogo Perry Anderson Ele também afirmou que o Brasil “começou a se gabar de sua conquista como a criação de uma nova classe média”. Os pobres do Brasil já tinham sido chamados a identificar-se com o “individualismo de consumo” da classe média enraizada. Como sugere o filme de Fujinaga, a sua nova riqueza incentivou o mesmo desprezo pelas classes mais baixas que a elite entrincheirada do país há muito fomentava. Quando os preços das matérias-primas caíram no início de 2010, a suposta estabilidade desta “nova classe média” – mas não as suas novas esperanças e expectativas – também foi destruída.

A piscina pode servir de metáfora para a política no Brasil, ou em muitos outros países latino-americanos, aliás. Rodovias são apenas parcialmente construídas, Hospitais em construção permanente, Escolas negligenciadasA lista de sonhos não realizados, retomados em tempos de graça e abandonados em tempos de necessidade, é interminável. O enorme fosso entre a realidade e a ambição levanta a questão: porquê prosseguir estes planos em primeiro lugar?

A alegria das coisas É sobre os destroços deixados por promessas quebradas. A pretexto da piscina, Paula passa a maior parte do seu tempo e energia longe da família. Ela está quase tão ausente quanto o pai de seus filhos, que nunca aparece na tela. Mas o que é ainda mais triste e irónico é que a família de Paula passa o verão no litoral: para começar, mal precisam de piscina. Por que se preocupar com complicações e despesas quando o oceano está bem perto de você?

Alvarado é escritor e ex-editor assistente da Oceano Atlântico.

Tag: Brasil, cultura, crítica cinematográfica, millennials na política

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