Luisa Strina, “a grande dama da arte brasileira”, olha para trás

Durante suas décadas no ramo de galerias de arte, Luisa Strina ganhou reputação por sua visão – e opiniões claras – sobre a arte contemporânea. Ela sabe do que gosta e do tipo de arte que vende com sua marca, e não desperdiça palavras em agradar egos de artistas ou clientes que não entendem a missão.

Strina, 80 anos, é conhecida por ser direta – “talvez um pouco direta demais às vezes”, disse ela – mas também é conhecida por fazer as coisas da maneira certa. Dezenas de colecionadores confiaram em seu gosto durante meio século, tornando a Galeria Luisa Strena uma das mais bem-sucedidas e respeitadas marchands de arte do Brasil. Esta semana ela exporá um rol de artistas brasileiros na Art Basel Miami Beach, e no mês que vem completará 50 anos como marchand, um marco para qualquer galeria, mas principalmente na América Latina, onde as obras de arte contemporânea são tão importantes. Galerias da moda e galerias de arte da moda foram formadas mais tarde do que nos Estados Unidos e na Europa.

“Neste negócio, às vezes é preciso ser rigoroso, claro que é”, disse ela durante uma entrevista em seu showroom, que fica entre lojas de varejo e cafés de luxo no bairro dos Jardines, em São Paulo. Sra. Strina havia retornado de uma exposição de arte em Paris apenas um dia antes e estava se preparando para outra exposição em Nova York uma semana depois. Enquanto ela falava, uma equipe de trabalhadores estava desmontando uma exposição recente, deixando o espaço da galeria – uma única sala retangular com altas paredes brancas e piso de concreto polido – parecendo vazio e cheio de ecos.

Como mantra para o sucesso, ser um juiz rigoroso de talentos pode parecer um pouco pesado – se não fosse pelo fato de que a primeira artista que admirei e rejeitei foi ela mesma. Aconteceu no primeiro ano de faculdade, quando ela estudava desenho e sonhava em fazer disso uma carreira. Sra. Strina não reconheceu muito talento para a manufatura.

“No segundo ano, desisti”, disse ela. “Eu vi que não era meu pedaço de bolo.”

No entanto, ela apreciava as pessoas qualificadas ao seu redor. Começou a vender trabalhos de professores e colegas e realizou exposições pop-up por São Paulo. Foi um trabalho paralelo, nada sério.

Então, um dia, um amigo sugeriu que ela assumisse o estúdio que ele estava desocupado e o transformasse em uma loja permanente. Ela disse que era modesto, mas no coração do Jardin, numa época em que a área se consolidava como centro do cenário cultural da cidade. Ela aceitou o desafio e abriu a Galleria Luisa Strena em 1974.

“E foi assim que tudo começou”, disse ela. “Eu não sabia muito sobre ser dono de uma galeria na época. Fui autodidata.”

Inicialmente, sua galeria apresentava artistas do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras antes de se expandir para incluir artistas de diversos países. Pensando naqueles primeiros tempos, o artista brasileiro-britânico Alexandre da Cunha lembra que seu lugar tinha um clima moderno e progressista.

“Eu ia à galeria dela quando era estudante de artes, era um ponto de encontro de todas as pessoas mais interessantes de São Paulo”.

Ele acrescentou: “Todos os bons artistas, em algum momento, apareceram com Louisa. Foi uma das primeiras galerias do Brasil a mostrar pessoas internacionais.

Ao mesmo tempo, ela levava o Brasil para o mundo. No final da década de 1980, ela começou a fazer exposições em pequenas galerias de arte em lugares como Nova York e Los Angeles. “Fiquei no hotel, aluguei um quarto e convidei as pessoas”, disse ela.

Em 1991, recebeu seu primeiro estande em uma grande feira, a Art Basel, na Suíça, tornando-se a primeira galeria latino-americana a ingressar no grupo.

Sra. Strina apoiou alguns vencedores durante sua carreira. Foi uma das primeiras defensoras do artista Sildo Meirelles, que começou a trabalhar na galeria quando ainda não era muito conhecido e alcançou sucesso internacional, com obras adquiridas pelo Museu de Arte Moderna de Nova York; Museu de Arte Contemporânea de Barcelona; E o Museu de Arte do Condado de Los Angeles.

Outro exemplo é Fernanda Gomez, que Strina descobriu no Rio no início de sua carreira, e que hoje expõe seus trabalhos em museus e galerias de todo o mundo, e tem seus trabalhos nas coleções da Tate Modern, em Londres, e do Pérez Museu de Arte de Miami.

Como todos os artistas da galeria, Gomez faz trabalhos altamente conceituais, que nem sempre são fáceis de vender, embora “Luisa nunca tenha se importado com isso”, disse Kiki Mazzucchelli, curadora veterana que ingressou na galeria como diretora artística em fevereiro.

Ao longo dos anos, a fama da Sra. Strina cresceu junto com a de seus artistas. Sua galeria ganhou influência suficiente para trazer nomes famosos, como o artista mexicano Pedro Reyes e a estrela dinamarquesa-islandesa Olafur Eliasson. Em 2015 foi selecionado com Pace Gallery e Thaddaeus Ropac Para representar o espólio do artista americano Robert Rauschenberg.

No entanto, Strina é conhecida como defensora dos artistas de seu país. José Cori, fundador da famosa Galeria Corimanzoto da Cidade do México, referiu-se recentemente a ela como “a grande dama da arte brasileira”.

A Sra. Strina atribui seu sucesso ao fato de ter padrões consistentes. Ela lida apenas com artistas conceituais. Ela disse que ficou desanimada com a bela paisagem, embora fosse mais fácil vendê-la. A arte deve ser desafiadora, para desafiar a compreensão dos espectadores ao longo do tempo.

Ela também segue suas decisões. Seus colaboradores tendem a permanecer por muito tempo.

O artista Marcius Galan conheceu Strina em 1997, quando ainda era estudante em São Paulo. Ela viu alguns de seus trabalhos e o convidou a trazer seu portfólio para a exposição. “Eu estava com muito medo dela no início”, disse ele.

Mas ela foi gentil e, sem surpresa, direta, dizendo que ele não estava pronto para voltar em um ano. Ele o fez, e eu fiz a oferta a ele. Eles estão juntos desde então.

O trabalho do Sr. Galan tem o tipo de estilo conceitual que caracteriza a Galleria Luisa Strena. Ele muitas vezes começa com materiais do cotidiano, como alfinetes, sementes ou borrachas de lápis, e os organiza em objetos maiores que desafiam os espectadores a questionar seu propósito original e a considerá-los como material para peças de arte. Seu trabalho apresenta desafios mentais e visuais e evita falar diretamente sobre política ou questões sociais.

Seu relacionamento com o dono da galeria é de confiança mútua. “Normalmente, sou muito livre para produzir”, disse ele. “Às vezes coloco minhas coisas dentro da galeria e ela só vê na inauguração.”

Da mesma forma, o Sr. da Cunha raramente discute arte com a Sra. Strina. Ele disse que eram amigos íntimos, mas ela nunca tentou orientar suas decisões artísticas. Sr. da Cunha, que retornou recentemente ao Brasil após vários anos morando em Londres, é conhecido por seus projetos públicos de grande porte e pequenas obras que reaproveitam objetos comuns. Uma peça recicla esfregões de limpeza, enquanto outra serra novamente um grande copo de metal da traseira de um caminhão de concreto.

“Ela nunca diz se gosta ou não de alguma coisa”, disse Da Cunha. “Ou ela gosta mais disso. Ela não diz nada, o que também pode ser assustador.”

Ainda assim, Strina mantém o controle sobre a galeria e sua reputação, principalmente tomando decisões antecipadas sobre quem assumirá o controle e reunindo o que Da Cunha chama de “um grupo muito unido e coeso de artistas que juntos fazem sentido”.

Olhando para a lista dela, é fácil entender o que ele quer dizer. Consideremos uma das estrelas atuais da Galeria Luisa Strena, Clarissa Tosin, uma artista que cresceu em Brasília e também é conhecida por reciclar objetos comuns. Sra. Tosin expôs extensivamente sua série de murais feitos de caixas de entrega da Amazon, que ela corta em tiras e transforma em tecidos que exploram a história social e econômica do Brasil.

Tudo se junta sob o mesmo olhar atento. “Luisa realmente entende o que é importante, o que é vanguarda”, disse Mazzucchelli.

E o que combina com a Galleria Luisa Strena. “As pessoas conhecem o programa com ela como pessoa. As duas coisas estão realmente interligadas”, acrescentou Mazzucchelli.

Quanto ao futuro, Sra. Strina disse que não quer se aposentar. Ela adora trabalhar e viajar e fica feliz em passar o tempo em sua galeria e back office, que decorou com obras de um grupo de artistas e pessoas que conheceu. Ela tem uma das tapeçarias de Tossin pendurada na parede e há uma cadeira de madeira que ela admira, projetada pela arquiteta modernista brasileira Lina Bo Bardi.

Ela disse que está orgulhosa do que conquistou, o que é mais do que ela esperava como filha de imigrantes italianos que vieram ao Brasil para começar uma nova vida. Ela disse que seu plano é continuar vendendo obras de arte até que elas “caiam na mesa”.

“Sempre tive a sorte de ter uma boa educação”, disse ela. “Fiquei feliz fazendo o que queria. Sempre imagino essas pessoas que trabalham em fábricas e têm que fazer a mesma coisa o dia todo.

Este não foi o seu destino: “Nos piores dias da minha vida, sempre tive obras de arte para partilhar”.

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