A política de Pelé ainda é um tema delicado no Brasil

Emitido em:

Rio de Janeiro (AFP) – Pelé é reverenciado no Brasil como o eterno “Rei do Futebol”.

Mas o perfil do lendário jogador é mais complexo quando se trata do terreno mais complicado da política em seu país natal, onde ele tem enfrentado críticas por não se manifestar sobre o racismo e sua suposta proximidade com o antigo regime militar.

Aclamado como o maior jogador de futebol da história, Pelé morreu na quinta-feira aos 82 anos, provocando uma explosão de emoções no Brasil – e um reexame nacional de seu legado.

A corrida de Pelé ao estrelato global coincidiu com a ascensão do regime militar brasileiro da era da Guerra Fria, que governou o país sul-americano com mão de ferro de 1964 a 1985.

O lendário jogador foi retratado lado a lado com os ditadores Emilio Garstazo Medici e Ernesto Geisel, dois dos generais mais radicais que presidem um regime que matou ou “desapareceu” centenas de pessoas.

Segurando os troféus da Copa do Mundo e sorrindo ao lado dos generais, o jogador negro foi criticado por seu silêncio sobre o racismo, numa época em que o Brasil – o último país das Américas a abolir a escravidão – se apresentava ao mundo como uma nação harmoniosa. “democracia racial”.

Paulo César Caju, companheiro da seleção brasileira campeã do mundo de 1970, disse certa vez: “Ele agia como um negro submisso que aceita tudo e luta contra nada.”

Pelé voltou a ser criticado ao ser questionado sobre os anos de ditadura em um documentário da Netflix sobre sua vida, lançado em 2021.

“Para mim, pelo menos”, disse ele, “não mudou nada.” O futebol continuou na mesma linha.

No mesmo documentário, o famoso jornalista esportivo brasileiro Paulo Cesar Vasconcelos confirmou o silêncio de Pelé sobre questões políticas naqueles tempos conturbados.

Vasconcelos disse que “aceitou o sistema que o tratou bem porque sabia o quanto era importante”.

Legado menos conhecido

Mas fotos de arquivo menos conhecidas mostram um lado diferente de Pelé.

Em uma delas, ele usava uma camiseta amarela estampada com os dizeres “Diretas já” – as eleições diretas – o grito de guerra dos protestos antigovernamentais que varreram o Brasil na década de 1980, derrubando a ditadura.

Em 1984, esta foto foi capa da principal revista esportiva brasileira, a Plakar.

Outras imagens ressurgiram durante o mês que Pelé passou no hospital antes de sua morte, como uma coletiva de imprensa em 1989, na qual anunciou que cogitava concorrer à presidência e se declarou “socialista”.

No final das contas, ele não concorreu, mas atuou como Ministro dos Esportes do presidente de centro-direita Fernando Henrique Cardoso de 1995 a 1998.

Pelé era um ministro resoluto e pragmático que lutou pelos direitos dos jogadores de futebol em seus clubes – supostamente enfurecendo o homem mais poderoso do futebol, o compatriota brasileiro e então presidente da FIFA, João Havelange.

“Ele me fez amar o Brasil”

Pelé se defendeu de seus críticos, dizendo que prefere fazer uma declaração sutil sobre questões como o racismo.

Em comentários publicados em artigo de 2020 no jornal espanhol El Pais, ele disse que foi chamado de “macaco” e pior, mas “não ligou”.

“Preferi dar o exemplo para minha família e para os torcedores. Essa é a minha luta.”

O mesmo artigo o comparou ao grande jogador da NBA, Michael Jordan, que revolucionou o basquete na década de 1990, mas também enfrentou críticas por sua aparente falha em se posicionar sobre os tópicos quentes do dia.

No documentário da Netflix, Pelé lembrou aos telespectadores que falou sobre questões importantes para ele, como dedicar seu milésimo gol na carreira em 1969 às crianças famintas brasileiras.

“Tenho certeza de que fiz mais para ajudar o Brasil com meu futebol e meu estilo de vida do que muitas pessoas que ganham a vida na política”, disse ele.

E embora alguns o critiquem por não falar sobre o racismo, outros dizem que apenas ver um homem negro subir a tais alturas foi uma inspiração.

O proeminente intelectual negro Silvio Almeida – que deveria se tornar ministro da Cultura do presidente eleito de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva – twittou: “Pelé é a primeira pessoa que me fez amar o Brasil”.

“Ver um brasileiro negro como eu tornar-se indiscutivelmente maior no que fez me fez pensar que ambos podemos acreditar em alguma coisa.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *