O cenário musical brasileiro não pode ser compreendido sem considerar o enorme impacto cultural causado pelos escravos trazidos para as Américas. Muitos dos gêneros musicais do país, como o marcato, o bayao, o churro e o samba, surgiram da escravidão e se desenvolveram ao longo dos séculos seguintes.
Tudo começou com o candomblé e a capoeira. O candomblé era praticado nas senzalas brasileiras e nos assentamentos habitados por escravos fugitivos (“quilombos”). O candomblé, vindo da África, tornou-se uma religião brasileira de pleno direito, misturando tradições de Angola, Benin, Congo e Nigéria. Prestar homenagem aos espíritos dos orixás e dançar ao som dos tambores africanos ('atabaques') são apenas dois dos aspectos distintivos das celebrações do Candomblé que ainda hoje podem ser ouvidos na música brasileira.
Já a capoeira era uma arte marcial diretamente ligada à música, cujas lutas ou danças, inspiradas nas de partes da África, moviam-se ao ritmo do instrumento de cordas berimbau. Os ritmos da capoeira trazidos da África, ou adaptados pelos escravos, foram fundamentais para o desenvolvimento do que acabou se tornando o samba.
O último álbum da orquestra, A Saga da Travessia ('The Crossing Saga') conta a história da viagem dos escravos da África ao Brasil. “Desde o início do meu trabalho com Rumpilezz, eu queria fazer uma música que retratasse a saída forçada da África, para que as Américas pudessem ser construídas”, explica Light. “A saga de Travesia é uma visão pessoal do primeiro momento da partida… Ela criou uma imagem de escravizados pensando: ‘Ele será um dos meus netos. Pixingenha'; Alguém diráMilton Nascimento'. Foi minha tentativa de traduzir o holocausto profundo e cruel que foi a escravidão em música.
O desenvolvimento do samba durante o século XX compartilha uma profunda ligação com os fundamentos do candomblé, algo que pode ser facilmente reconhecido nas obras de alguns dos mais famosos sambistas, por ex. Dorival Cayme, Clara Nunes, Clementina de Jesus E Martinho da Vila. Os “sons de adoração” do candomblé podem ser ouvidos em discos como Tubos SantosEdição de 1965, Quesas. Uma obra-prima “que não poderia ter sido criada por um músico sem DNA brasileiro e que não tivesse uma consciência tão sutil de sua negritude e do passado de seu povo”, diz um jornalista musical brasileiro. Marcelo Pinheiro.
Entre 1968 e 1975 houve álbuns notáveis de artistas incluindo Caetano Veloso, Gilberto Gil, Costa gal, Tom Z, Os mutantes, Tim Maya, Clube da Esquina E muito mais.
África Brasil (1976) por outra estrela Tropical, george ben, quebrou a tradição ao substituir violões por guitarras elétricas. Sinalizou a criação de um novo som. “Por causa dos muitos ritmos brasileiros herdados da África, o funk que Jorge reelaborou estava muito mais próximo do funk africano vindo de países como Nigéria, Senegal, Gana, Benin e Camarões do que do funk tocado nos Estados Unidos na década de 1970. ” diz Pinheiro.
“Podemos reconhecer muitas influências africanas na sonoridade da banda”, afirma o jornalista e apresentador de TV. Lorena Calábria. “Embora o marakato não seja a base de todas as canções de Chico Science e Nassau Zombie, o som dos instrumentos evoca a música africana.”
“Há uma música em seu álbum Da Lama ao Caos onde essa influência é claramente evidente. Samba Makossa não se refere apenas ao hit Soul Makossa dos anos 1970, do camaronês Manu Dibango, mas os sons da guitarra de Lúcio Maia também lembram a música juju.”
Essa referência natural e intuitiva à música africana também é uma característica comum da cena funk-carioca contemporânea do Rio. “Se fôssemos traçar uma linha do tempo, o funk é a última versão da ‘tradução da tradição’, que é quando você pega elementos ancestrais e os transforma em algo novo”, explica o promotor e presidente da gravadora Heavy Dance. Ana Paulo Paulino. “Os hinos de Makumba inspiram DJs dos subúrbios do Rio de Janeiro a produzir músicas funk que farão todo mundo dançar, inclusive crianças de bairros ricos.”
“Essa experiência espiritual nos permitiu ampliar nossa compreensão da África e da África como ela é percebida no Brasil. Como ela se mistura com a nossa corrente sanguínea, com os nossos povos indígenas? Como isso muda o nosso canto e o choro? Como é essa simbiose entre a capoeira e o samba refletido?, explica o vocalista do grupo, Rosso Basabuso.
A influência da África na sonoridade do Brasil é algo que ainda está sendo explorado e pesquisado, mas uma coisa é certa: a música brasileira seria muito diferente sem a sua influência.
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