Cinema negro no Brasil: um caminho longo e difícil

Num país onde a língua, a música, a comida, a dança, a espiritualidade e a cultura estão repletas de tudo o que é africano, pode-se imaginar que cineastas e atores negros dominariam o cenário cinematográfico e televisivo do Brasil.

Pense de novo.

Muito cedo, a partir da histórica noite de 8 de julho de 1896, quando oito curtas-metragens com cenas de cidades europeias, da elite, foram exibidos no Rio de Janeiro, os filmes tornaram-se essenciais para o público e os criadores brasileiros. Um ano depois, os primeiros cineastas brasileiros estrearam suas próprias obras, com pequenos clipes sobre a vida na cidade, crianças dançando e pescadores voltando do mar.

Em 1908, o Rio de Janeiro – então capital do país – contava com 20 salas de cinema, exibindo filmes mudos não muito diferentes daqueles encontrados atualmente na Europa e nos Estados Unidos. Em 1915, após a Primeira Guerra, todas as grandes cidades brasileiras contavam com uma abundância de salas de cinema, e as empresas americanas começaram a investir em novos circuitos para mostrar e promover seus produtos de fabricação americana. Em 1930, os filmes nacionais prosperavam, mesmo com constantes atritos da concorrência estrangeira.

Com a Europa e os Estados Unidos focados na Segunda Guerra Mundial, o cinema brasileiro detinha a maior parte do seu mercado. Nenhum ator negro foi visto, exceto ocasionalmente no fundo, especialmente em cenas de trabalhos forçados, prisão ou danças folclóricas. Diretores negros? Nem mesmo uma vaga possibilidade. A divisão racial e social que dominaria durante muitas décadas estava profundamente enraizada.

E teve Sebastião Bernardes de Souza Prata, também conhecido como Grande Otello – o primeiro ator negro a se tornar mais do que um ator principal: uma verdadeira estrela. Nascido em 1915 em uma família pobre dominada pelo alcoolismo e doenças mentais, Prata fugiu aos 15 anos e ingressou em um circo itinerante – isso lhe serviu de formação dramática, e logo integrou uma série de trupes de teatro, incluindo a famosa companhia Companhia Negra. . de Revistas, companhia de humor negro, é liderada pelo mestre compositor Pixinguinha, um dos nomes mais importantes da música brasileira. Baixo, não exatamente bonito, mas capaz de passar da comédia ao drama, Grande Otello foi uma figura natural no boom do cinema das décadas de 1940 e 1950, quando a “chanchada” – um subgênero bem brasileiro que era em parte comédia – dominava a Extensa e em parte. musical – na produção de filmes. Telas. Tornou-se uma das maiores estrelas do Brasil, enchendo os cinemas com facilidade e finalmente quebrando a brancura do cinema brasileiro.

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Levaria cerca de mais uma década para que atores negros aparecessem em filmes brasileiros, nos palcos e na televisão. Uma mudança radical ocorreu na década de 1950, quando o recém-criado Grupo de Teatro Experimental Negro treinou uma geração inteira de atrizes e atores negros. O final da década de 1950 e o início da década de 1960 foram anos dourados de mudança, criatividade e ousadia – foram a era da novíssima bossa nova e de seu irmão visual, o cinema novo, o novo cinema.

A geração Cinema Novo, em parte, destruiu a brancura das telas brasileiras. Cineastas como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Gabor, Roberto Farias, Paolo Cesar Saraceni, Gustavo Dalle, Domingos de Oliveira e Rui Guerra – é verdade, todos brancos – mudaram o foco do cinema brasileiro, abraçando temas de pobreza e classe tensão, racismo e opressão.

Grande Otello foi uma estrela e muitos da geração Cinema Novo mostraram seu grande talento em diversos papéis, como o de uma criança surrealista no estranho filme de Joaquim Pedro de Andrade. Makunimae como uma das bandidas sensuais de Roberto Farias Assalto a um trem. Mas ele não estava mais sozinho – do teatro experimental negro vieram duas gerações de brilhantes atores negros que encheram as telas com seus talentos: Antonio Pitanga, protagonista escolhido por Glauber Rocha; Ruth D’Souza está presente em dezenas de filmes; O eclético Haroldo Costa, e muitos outros.

É verdade que muitos papéis foram desempenhados por criminosos, empregadas domésticas, motoristas, vendedores ambulantes – mas a resistência começou e continuou mesmo durante 21 anos de uma ditadura de extrema direita que congelou todas as artes criativas de 1964 a 1985.

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Na era pós-ditadura, a presença de atores negros no cinema e na televisão – nesta altura, esta última sendo a principal plataforma do país – era tida como certa. A nova geração de diretores ainda era branca, mas os temas do Cinema Nouveau foram adotados e atualizados, tornando o talento negro mais comum e mais reconhecível, em filmes como Cidade de Deus E Bacurau.

O próximo passo será colocar o talento negro atrás das câmeras. Aglomerados criados em favelas –bairros pobres- As comunidades isoladas são hoje uma das principais forças para mudar a história local. Quando famosos atores negros tomaram a iniciativa de se tornarem diretores – Antonio Pitanga; Sua filha, Camila Pitanga. Os atores Lazaro Ramos e Zosimo Bulbul – grandes mudanças finalmente apareceram.

O diretor pioneiro Joel Zito disse: “O cinema brasileiro ama a cultura negra, mas não parece interessado na verdadeira luta negra”. Continente revista. Zito aprendeu fotografia por conta própria e especializou-se em documentários, primeiro em vídeo, depois em vídeo digital. Da autoeducação, ONGs e faculdades públicas, uma nova geração de criativos negros, muitos deles mulheres, estão mostrando suas opiniões (graças em grande parte à popularização das plataformas de transmissão ao vivo no Brasil): Vivan Ferreira, Jefferson Dee, Sabrina Fidalgo , Camila De Moraes, Renata Martins, Juliana Vicente, Diego Paulino, Yasmine Thiena e muitos outros.

Por fim, conheceremos a verdadeira história de um país construído com base no seu povo negro, no seu talento e na sua força.

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