Brasil dividido sobre proposta para perfurar petróleo no Delta do Amazonas

Uma proposta para extrair petróleo no mar ao largo da foz do rio Amazonas expôs uma rachadura no gabinete do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, representando um importante teste para seus votos de impedir a destruição ambiental.

A Petrobras, empresa nacional de petróleo e gás, entrou com recurso após a Agência Ambiental rejeitar seu pedido para perfurar um poço exploratório na área conhecida como Foz do Amazonas, ou Bacia da Foz do Amazonas, a 175 quilômetros da costa norte do país.

O esquema dividiu opiniões entre os eleitores de Lula e, embora a esquerda evitasse uma linha dura, ele disse achar “difícil” acreditar que a atividade pudesse causar problemas ambientais, dada a distância de 500 km entre o local de águas profundas no Oceano Atlântico e a floresta tropical.

Mais do que apenas uma cabeça de poço está em jogo. A política ambiental do Brasil atrai a atenção internacional porque abriga grande parte do rio Amazonas e sua floresta tropical circundante, um importante depósito de carbono para proteger o clima da Terra. Ativistas dizem que a área ao redor do local de perfuração de petróleo proposto é ambientalmente sensível e próxima a recifes de corais.

No entanto, números da indústria argumentam que aproveitar a área offshore mais ampla em que o bloco se encontra, conhecida como margem equatorial, é fundamental para a posição contínua do país sul-americano como um importante produtor de energia globalmente.

“Isso permitirá que o país mantenha seu papel como um dos maiores produtores de petróleo do mundo”, disse Adriano Peris, fundador da consultoria de energia CBIE e ex-membro do regulador de petróleo do país.

Mapa mostrando a área de depósitos de hidrocarbonetos offshore no Brasil conhecida como Margem Equatorial

A rejeição do plano de perfuração também irritou os políticos costeiros locais, que se beneficiarão de empregos e royalties se a produção eventualmente continuar.

Mas foi bem recebido por ativistas ambientais, que disseram que a bacia na foz do rio Amazonas – lar de recifes de corais, manguezais e espécies ameaçadas como golfinhos e baleias – seria vulnerável a danos em caso de vazamento.

“Em meio à crise climática, a pergunta que precisa ser feita é se faz sentido o Brasil se posicionar como um dos últimos grandes vendedores de petróleo”, disse Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, organização sem fins lucrativos.

A controvérsia destaca os desafios que Lula enfrenta ao tentar equilibrar promessas de campanha com proteção ambiental e desenvolvimento econômico no país mais populoso da América Latina.

Luiz Inácio Lula da Silva com as mãos cheias de petróleo em 2010
Luiz Inácio Lula da Silva teve as mãos cheias de petróleo durante seu primeiro mandato como presidente do Brasil em 2010. Temores aumentaram de que sua agenda ambiental possa ser diluída por um Congresso dominado por conservadores. © Marcelo Sayo / EPA

O ex-sindicalista de 77 anos se apresentou como um defensor da sustentabilidade durante sua bem-sucedida campanha presidencial no ano passado contra o atual presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, que supervisionou a crescente destruição da maior floresta tropical do mundo.

O ministro de Energia e Mineração, Alexander Silvera, que já havia descrito a exploração na área como um “passaporte para o futuro”, criticou a recusa da licença e chamou as demandas do regulador por novos estudos “incoerentes e absurdas”.

Mas a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que indicou o chefe da agência reguladora, defendeu o processo: “[A] Decisão técnica na república [and] O governo democrático é implementado e respeitado com base em evidências”.

Lutador de causas verdes de renome internacional, Silva ocupou o mesmo cargo durante o primeiro mandato de Lula – antes de renunciar frustrado depois de perder uma série de batalhas sobre questões ambientais, incluindo grandes projetos de infraestrutura na Amazônia.

É uma grande luta. Desta vez, Silva tem mais poder do que nunca [in the past] “Porque a agenda ambiental de hoje é mais forte”, disse Peres.

A Margem Equatorial é um trecho de 2.200 quilômetros do Oceano Atlântico que faz frente às costas de alguns dos estados mais pobres do Brasil. As companhias petrolíferas a veem como uma nova e promissora fronteira de hidrocarbonetos. Estima-se que contenha até 30 bilhões de barris de óleo equivalente, cerca de um quarto dos quais podem ser recuperados, de acordo com a CBIE.

As descobertas offshore foram feitas nos vizinhos Suriname e Guiana, com a gigante petrolífera americana ExxonMobil bombeando petróleo deste último. A produção de outras grandes reservas de águas profundas do Brasil deve atingir o pico até o final da década.

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“Temos que encontrar um meio termo, que respeite o meio ambiente, mas sem deixar esse nível de riqueza enterrado no subsolo”, disse Peres.

O órgão ambiental Ibama se opôs ao pedido de exploração da Petrobras, alegando que faltam evidências para mostrar que a área mais ampla é adequada para exploração.

Ele também disse que os procedimentos específicos para lidar com animais selvagens contaminados e se comunicar com as comunidades aborígenes próximas eram inadequados e criticou o tempo que levaria para responder a qualquer incidente.

Oitenta grupos da sociedade civil e ambientalistas, incluindo o WWF e o Greenpeace, já haviam instado o Ibama a não conceder uma licença até que estudos mais detalhados fossem realizados.

Araujo, que era ex-presidente do Ibama quando este rejeitou um pedido semelhante da gigante petrolífera francesa Total Energy, disse que os planos não incluíam um sistema adequado para coordenação com os países vizinhos em caso de acidentes. Ela acrescentou: “Não acho que haverá uma reversão na decisão.”

Após a rejeição regulatória, a estatal Petrobras insistiu que cumpriu todas as exigências do processo de licenciamento. Prometeu incluir medidas adicionais para proteger o meio ambiente e disse que a perfuração é uma atividade temporária e de baixo risco necessária para verificar a existência de reservas de petróleo.

A empresa comprometeu quase metade de seu orçamento de exploração de US$ 6 bilhões nos próximos cinco anos para a orla tropical.

O Ministério de Minas e Energia não respondeu a um pedido de comentário, enquanto o Ministério do Meio Ambiente encaminhou as perguntas ao Ibama. A agência se recusou a fornecer um prazo para o recurso, mas disse que o processo deve ser concluído dentro de um ano.

Cresceram as preocupações de que a agenda ambiental de Lula possa ser diluída por um Congresso dominado pelos conservadores, depois que os legisladores recentemente retiraram os poderes do Ministério do Meio Ambiente e do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas. O presidente tem mais três anos e meio de mandato.

O dilema reflete tensões mais amplas no Brasil entre conservação e crescimento, disse Mariana Borges, professora de ciência política da Universidade de Oxford. “Isso mostra que esse conflito ainda é muito grande dentro do governo e da sociedade”, disse ela.

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